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Foto do escritorDra. Aline Barbosa Moraes

Obesidade, cirurgia e emagrecimento

Atualizado: 31 de out. de 2019




O que acontece com as pessoas durante esses processos? E a mudança de ser gordo para ser magro pela cirurgia bariátrica, pode gerar transtornos psicológicos? A obesidade é considerada pela Organização Mundial da Saúde (OMS) a epidemia do século. Dados recentes revelam que 48,1% da população adulta no Brasil está acima do peso e 15% são obesos. Essas estimativas foram obtidas após entrevistas em 2010 com mais de 54 mil adultos, residentes de 27 capitais, e compõem o estudo Vigilância de Fatores de Risco e Proteção para Doenças Crônicas por Inquérito Telefônico (Vigitel), organizado pelo Ministério da Saúde em parceria com o Núcleo de Pesquisa em Nutrição e Saúde da Universidade de São Paulo (Nupens/USP). Com o número de obesos, aumenta também a quantidade de cirurgias bariátricas realizadas. Pesquisas revelam que, em dez anos, de 1999 a 2009, o número de cirurgias para obesidade mórbida cresceu mais de 500% no País. A doença, que aumenta de forma alarmante no Brasil e no mundo, é multifatorial e o componente psicológico exerce papel importante nesse cenário. Psicólogos e psiquiatras discutem fatores psicológicos que estão por trás da obesidade e como os recursos da Psicologia e da Psiquiatria podem ser importantes para pessoas que se submetem às cirurgias bariátricas. Será que nessa transição é preciso aprender a "pensar" como magro? Pesquisas revelam que, em dez anos, de 1999 a 2009, o número de cirurgias para obesidade mórbida cresceu mais de 500% no País Comida no lugar do vazio Preguiçoso e acomodado são adjetivos depreciativos usados com frequência aos obesos, porém nem sempre a obesidade pode ser explicada por razões puramente fisiológicas Preguiçoso, acomodado, glutão. Estes e outros adjetivos depreciativos são, com frequência, referenciados a pessoas obesas que, ao senso comum, parecem simplesmente não se esforçarem para perder peso. O problema desta avaliação é que ela ignora que a obesidade muitas vezes não é mera consequência da baixa atividade física ou de um estilo de vida sedentário. Ou seja, nem sempre a obesidade e a permanência do indivíduo nesse estado podem ser explicadas por razões puramente fisiológicas. À obesidade podem estar atrelados transtornos psicológicos graves. As necessidades emocionais específicas de pessoas obesas tornam o processo de emagrecimento uma luta frustrante e de resultados geralmente temporários, conseguidos por meio de dietas e "pílulas milagrosas" que ignoram possíveis fatores emocionais ligados ao ato de comer. "O objetivo [no tratamento da obesidade] deve ser estabelecer uma relação saudável entre o indivíduo e a comida, de forma que esta perca a função de nutrir os afetos", orienta a psicóloga clínica e psicoterapeuta corporal Mary Scabora. Segundo a profissional - que coordena no Rio de Janeiro o projeto Integração, de tratamento multidisciplinar de emagrecimento para o obeso - o ato de comer tem uma significação única, que vai além da mera obtenção de energia, relacionando-se na verdade com suas funções mais primitivas. "Na literatura psicanalítica, a boca é o primeiro acesso de comunicação com o mundo externo. É na fase oral que estabelecemos esta relação e que temos contato com sentimentos como prazer, satisfação, amor, agressividade, raiva, privação e medo", explica. Pessoas obesas comumente usam a comida como um substituto emocional, recorrendo a ingestões elevadas e compulsivas de alimentos para fugir do enfrentamento de decepções, frustrações ou acontecimentos que os deixem ansiosos. Nestas condições, diz Mary Scabora, "o excesso de comida cumpre o papel de preencher o vazio existencial". Ainda que não seja possível estabelecer um "perfil" da pessoa obesa, já que a forma como esta lida com sua condição depende de fatores sociais e ambientais - por exemplo, o desconforto com a aparência depende muitas vezes de o obeso ter vivido ou não situações em que foi ridicularizado devido a seu peso -, a doença não raro é acompanhada de déficits psicológicos, como baixa autoestima, ansiedade, sentimento de culpa, depressão e insegurança. Este quadro pode resultar em transtornos alimentares. PARA SABER MAIS Mudança de hábitos Não é apenas o psicólogo que deve incentivar pacientes obesos em sua jornada rumo ao emagrecimento. Médicos em geral também podem ter esse papel, que, se bem realizado, pode se estabelecer como mais uma motivação para mudanças no estilo de vida. Estudo publicado ano passado na revista BMC Health Services Research, intitulado O uso dos cinco "As" por médicos para aconselhamento de pacientes obesos: a qualidade do aconselhamento está associada com a motivação e intenção dos pacientes para perda de peso? (tradução livre) chegou à conclusão de que, quanto melhor o aconselhamento recebido e mais positiva a relação médico-paciente, mais os pacientes se mostravam dispostos a se esforçar para emagrecer. O artigo foi escrito por Melanie Jay, da New York University School of Medicine, e equipe. Os cinco "As", explica o artigo, são uma série de diretrizes para aconselhamento de pacientes obesos que guiam os profissionais médicos a: (1) avaliar os riscos, comportamento atual e preparação para mudanças; (2) aconselhar quanto à mudança de comportamentos específicos; (3) concordar com (em inglês, "agree") e estabelecer metas em comum acordo; (4) ajudar na percepção de barreiras e garantir apoio e (5) organizar o acompanhamento. De acordo com o artigo, os pesquisadores fizeram entrevistas com 137 pacientes obesos logo depois da consulta com 23 médicos: aqueles com "maiores níveis de motivação e intenções [de emagrecer] disseram ter recebido mais técnicas de aconselhamento dentro dos '5As' do que aqueles com níveis menores". Outro ponto importante foi que médicos que atuavam usando técnicas da chamada "centralização no paciente" também recebiam uma avaliação mais positiva. "Centralização no paciente", diz o artigo, "pode ser defi nida como [a equipe] ser receptiva às necessidades, crenças, valores e preferências do paciente". Assim, um aconselhamento que se encaixe nesse padrão seria aquele em que, exemplificam Melanie e colegas, o médico discutiria os objetivos de perda de peso no contexto das razões individuais do paciente para querer estar mais magro: bem-estar, aparência, melhor controle de diabetes, etc. Os resultados da pesquisa, acreditam os autores, sugerem que "a forma como as habilidades de aconselhamento são passadas adiante importa, e que a qualidade da relação médico-paciente pode influenciar no nível de comprometimento do paciente para [iniciar] mudanças de comportamento". Transtornos da obesidade Segundo Mary Scabora, os transtornos alimentares mais comuns são o da compulsão alimentar periódica (TCAP ou binge eating, no termo em inglês) e a síndrome do comer noturno (SCN). A TCAP se caracteriza pela "presença de episódios recorrentes de ingestão de grande quantidade de alimentos em um curto intervalo de tempo, seguido de uma sensação de vergonha, culpa, angústia perante a perda de controle sobre o ato de comer, sobre o que se come e o posterior arrependimento por ter comido", diz a especialista. Acometidas por este transtorno, que também pode se apresentar em pessoas que não têm problemas de obesidade, a pessoa come "por impulso e não existe um critério de seleção dos alimentos, ela tem preferência por alimentos saborosos, mas na falta deles come o que tiver ao alcance", explica. Já a SCN, explica Mary, se relaciona com quadros de insônia, no qual a pessoa estabelece uma rotina marcada pela pequena ingestão alimentar pela manhã, mas há um consumo exagerado mais tarde, no período entre oito da noite e seis da manhã. Escondido atrás destes transtornos, "existe um problema psicológico camuflado -depressão, ansiedade, raiva internalizada, bloqueio da agressividade, alterações de humor, carência afetiva e baixa autoestima, entre outros -, combinado com uma dieta alimentar pobre em nutrientes e dificuldades de adesão a um tratamento adequado", diz. Dessa maneira, tratamentos que visem à diminuição de peso precisam ser encarados com o fato de que existem dificuldades do âmbito psicológico que podem tornar sua eficácia e acompanhamento um desafio para a pessoa obesa. Sem a resolução das muitas significações e estabelecimentos emocionais criados por elas para justificar sua dependência e compulsão por comer, o emagrecimento não passará de condição temporária, sem ganhos reais para a saúde ou qualidade de vida do indivíduo. Mesmo em tratamentos ditos definitivos, como é o caso da cirurgia de redução de estômago, é preciso estar atento ao lado psicológico: seja por ainda ter mal resolvida sua relação com comida ou por não conseguir aceitar a nova "versão" magra de si mesmo, pessoas obesas que passam por esse tipo de tratamento algumas vezes retornam a seu estado de obesidade ou desenvolvem outras psicopatologias. Dica de leitura O livro Obesidade e sofrimento psíquico, de autoria da psicóloga Patrícia Spada, coordenadora do curso A Psicologia nos Distúrbios Alimentares, ministrado pela Unifesp, tem como tema principal a ligação entre mente e obesidade. Segundo a especialista, o objetivo do livro é mostrar como a Psicologia é capaz de explicar a doença e ensinar as pessoas a se controlarem em relação à alimentação sem enxergar isso como uma tortura, a começar pelo tratamento da sensação de solidão, impotência e desesperança. Segundo especialistas, o sistema nervoso central (SNC) do cérebro é responsável pela regulação de mecanismos que favorecem o aumento do apetite e da saciedade Neurociência e ganho de peso O cérebro é um dos principais responsáveis pela maior suscetibilidade de uma pessoa a engordar. Segundo explica a pesquisadora da Unidade de Psiconeuroendocrinologia do Grupo de Obesidade e Transtornos Alimentares do Instituto Estadual de Diabetes e Endocrinologia do Rio de Janeiro, Aline Barbosa Moraes, o cérebro, pelo sistema nervoso central (SNC), é responsável pela regulação de "mecanismos que favorecem o aumento do apetite e aqueles que favorecem o aumento da saciedade". Por meio da produção de neurotransmissores (substâncias que enviam mensagens específicas para manutenção das funções corporais e metabólicas), o SNC pode garantir um equilíbrio entre a ingestão calórica e o gasto energético, evitando, assim, a perda ou o aumento excessivo de peso. O artigo Fatores ambientais, comportamentais e neuroendocrinológicos envolvidos na gênese da epidemia da obesidade, publicado em 2007 nos Arquivos Brasileiros de Ciências da Saúde e de autoria de pesquisadores da Faculdade de Medicina do ABC (São Paulo), explica o funcionamento ideal do equilíbrio energético: "No ganho de peso, devido ao aumento de massa gorda, ocorreria maior síntese de leptina [substância que induz a saciedade] e consequente inibição da fome e estímulo ao gasto energético. Ao contrário, durante a perda de peso, os níveis séricos de leptina cairiam e os de grelina [substância que aumenta o apetite] subiriam, estimulando a fome e inibindo a perda de energia", escrevem os autores. Aline Barbosa Moraes diz que estas reações naturais de produção de substâncias inibidoras ou estimuladoras do apetite nem sempre acontecem, principalmente devido a lesões no hipotálamo, uma região do cérebro fundamental para o controle do peso. "Se você tem uma lesão nessa região - lesões hipotalâmicas que podem ter causas genéticas ou adquiridas -, elas podem no final trazer problemas associados à obesidade pela dificuldade do paciente em ter a saciedade", explica a especialista. Para estimular a produção de substâncias que induzam à saciedade, há a possibilidade de tratamentos com inibidores de apetite. "Estes medicamentos, sobretudo a sibutramina, aumentam as concentrações do neurotransmissor serotonina ao nível do SNC, o que favorece que o paciente apresente maior saciedade", explica Aline. A profissional avisa, porém, que tais medicamentos devem ser tomados sob prescrição médica e que é preciso um acompanhamento contínuo do tratamento, objetivando evitar o aparecimento de efeitos colaterais e consequente risco para a saúde do paciente. O percurso psicoterapêutico de um paciente adulto que foi uma criança obesa é diferente daquele que se tornou obeso na adolescência ou na vida adulta Pesquisadores do Denver VA Medical Center e da University of Colorado Denver, nos Estados Unidos, sugerem que a função de rede padrão, um dos principais contribuidores da atividade neuronal intrínseca, é alterada na obesidade e/ou em indivíduos que têm predisposição à obesidade. Jason Tregellas e colegas contam em um artigo que ainda será publicado no periódico internacional Obesity que chegaram a esse resultado após fazer exames de ressonância magnética funcional em 24 indivíduos magros e em 18 sujeitos obesos que perderam peso. As imagens foram feitas em jejum dois dias após dieta eucalórica (na qual se consome energia necessária para manutenção das atividades do organismo, ou seja, o peso é mantido) e dois dias após dieta de superalimentação (com aumento de 30% do consumo calórico) em um projeto contrabalanceado. Tais imagens foram obtidas enquanto os participantes viam figuras de alimentos e de objetos não comestíveis. Tais imagens foram obtidas enquanto os participantes viam figuras de alimentos e de objetos não comestíveis. "No estado eucalórico, foi observada maior atividade de rede padrão em sujeitos obesos que perderam peso em comparação aos indivíduos magros no lóbulo parietal inferior e no córtex do cíngulo posterior", dizem. A atividade foi positivamente correlacionada com o apetite: "superalimentação resultou no aumento da atividade da rede padrão em magros, mas não em indivíduos obesos que perderam peso", escrevem. Mudança drástica Estudos têm mostrado que a cirurgia bariátrica traz mudanças psicológicas, sociais e emocionais rápidas. Uma pesquisa publicada ano passado no periódico internacional Surgery for Obesity and Related Diseases corrobora essa ideia. Ao avaliar a qualidade de vida e a autopercepção de imagem corporal de 200 pacientes antes da cirurgia e 20, 40 e 92 semanas após a intervenção, David Sarwer, da Universidade da Pensilvânia, nos Estados Unidos, e colegas observaram que de forma geral os pacientes apresentam significativa melhora na qualidade de vida e na imagem corporal nos primeiros meses após a operação. Esses benefícios, segundo eles, se mantêm geralmente até o segundo ano do pós-operatório. Por outro lado, outras investigações têm apontado que problemas psicológicos podem se desenvolver após a cirurgia. Por exemplo, segundo um estudo de Ronis Magdaleno e equipe, do Departamento de Psicologia Médica e Psiquiatria da Faculdade de Ciências Médicas da Unicamp, embora o reencontro com o corpo após o procedimento cirúrgico seja vivenciado pelos pacientes como um meio de reintegração social, um sentimento de desamparo também é frequente nesse período. Tal desamparo, segundo os autores, pode levar a sintomas fóbicos. Desequilíbrios nas relações familiares e conjugais também podem ocorrer e contribuem para desencorajar a continuidade do tratamento. Além disso, alguns pacientes podem buscar constantemente cirurgias plásticas para corrigir o excesso de flacidez e as cicatrizes. Os pesquisadores chegaram a essas evidências após entrevistar qualitativamente sete mulheres que haviam sido operadas entre um ano e meio e três anos. A pesquisa em questão foi publicada em março deste ano na Obesity surgery. Dados diversos, como os apresentados, são fonte para questionamentos. Qual a importância do acompanhamento psicológico no pós-operatório de cirurgias bariátricas? Será que todos os pacientes necessitam desse suporte? Afinal, é preciso aprender a "pensar" como magro? Para o médico Adriano Segal, coordenador do departamento de Psiquiatria da Associação Brasileira para Estudo da Obesidade e da Síndrome Metabólica (Abeso), o "acompanhamento no pós-operatório não é mandatório para todos os pacientes, apenas para aqueles que apresentavam um transtorno psiquiátrico [aí, o acompanhamento seria psiquiátrico] ou psicológico no pré-operatório ou para aqueles que venham a apresentar um problema depois da operação, causado por ela ou não". Ele destaca, entretanto, que uma minoria dos pacientes se enquadra nessa segunda categoria, ou seja, desenvolvem problemas em função da cirurgia. Além disso, o psiquiatra explica que a "ideia de pensar como magro ou como gordo não procede, já que nem todos os magros comem pouco nem muito menos de um modo saudável e nem todo gordo come em grande excesso e de modo não saudável. Esta generalização é uma das fontes do grande preconceito contra o gordo e deve ser prontamente abandonada". Por isso, Adriano considera que os médicos devem esclarecer todos os aspectos relativos à obesidade, à técnica cirúrgica, ao emagrecimento e aos cuidados pós-operatórios ainda no pré-operatório. "No pós-operatório, precisamos ficar atentos à adesão ao tratamento e a problemas psiquiátricos que porventura venham a ocorrer. Neste caso, deve-se instituir o tratamento mais adequado para o caso", afirma. (Veja quadro sobre a importância do aconselhamento médico). Oferecer respostas mágicas e miraculosas é sequestrar do indivíduo a magia da vivência psicoterápica, quando são mobilizadas forças mentais e emocionais que o asseguram a lidar com a vida, sendo que a obesidade só é uma parte dela Na cirurgia de redução de estômago, considerada um tratamento definitivo, é aconselhável acompanhamento psicológico antes e depois do procedimento Retorno ao convívio social Quanto aos problemas emocionais e de relacionamento que alguns estudos têm apontado no pós-operatório, o psiquiatra afirma que mesmo que isso fosse uma verdade absoluta, ou seja, "se houvesse a relação causa-efeito que alguns gostam de enxergar nas entrelinhas, seria um dado que, isoladamente, serviria apenas para ficarmos atentos, já que não é razoável imaginarmos que é melhor um sujeito ficar casado e obeso mórbido do que separado". Ele explica, entretanto, que alguns desses eventos são apenas marginalmente mais frequentes nessa população do que na população geral, ou seja, a cirurgia bariátrica não implica em risco maior nestas áreas. Segundo Adriano, a percepção de que há um número aumentado desses eventos em pacientes que passaram por cirurgia bariátrica é causada pelo fato de que "alguns pacientes podem ter quadros psiquiátricos que se manifestavam menos gravemente devido à própria dificuldade mecânica que a obesidade causava. Também pode acontecer que quadros fóbicos, que antes não eram nítidos [pois obesos mórbidos saem pouco, mesmo], passam a ficar mais chamativos quando se espera que a pessoa comece a sair". Porém, ele lembra que com relação ao consumo de álcool é preciso mais atenção, pois de fato a cirurgia pode influenciar de forma negativa nesse caso. "Depois de algumas técnicas cirúrgicas, ingerir bebidas alcoólicas é muito mais arriscado e lesivo e isso deve ser exaustivamente orientado no pré-operatório e observado no pós-operatório", alerta. A adesão ao tratamento clínico, para Adriano, é um dos principais problemas no pós-operatório, pois, segundo ele, uma grande parte "foge". Porém, ele destaca que essa fuga é comum em qualquer especialidade que compõe a equipe. "Alguns pacientes retornam apenas quando estão doentes (às vezes, muito!)", ressalta. Essa dificuldade de dar continuidade ao acompanhamento também é observada na psicoterapia. Estudos mostram que embora os pacientes reconheçam sua importância, com frequência não a fazem ou a abandonam. Para Ana Cristina Benevides Pinto, psicoterapeuta do Programa Transdisciplinar de Tratamento da Obesidade do Centro de Tratamento e Integração do Ser (Centiser) de Fortaleza (CE), os pacientes veem essa terapia como uma importante aliada no combate à obesidade e na reestruturação da sua vida. A psicóloga explica que o acesso às diversas informações faz que muitos pacientes reconheçam a importância da psicoterapia como subsídio para lidar com a ansiedade, que, via de regra, é identificada como a causa psicológica da obesidade. "Quando o processo psicoterápico avança, esta compreensão amplia-se bastante levando o paciente a compreender a conexão entre fatos e afeições, numa fluência extinta de explicações de causa e efeito, ao perceber que as partes não subsistem sozinhas, mas compõem um todo", acrescenta Ana. Para a especialista, a partir desta perspectiva, torna-se mais viável, pela exclusão de vilões e vítimas, o reconhecimento do paciente como autor e ator da sua própria história, portanto, capaz de estabelecer mudanças oriundas do seu desejo interno. A especialista lembra que o modo como a obesidade se instalou na vida de uma pessoa faz toda a diferença. "O percurso psicoterapêutico de um paciente adulto que foi uma criança obesa é diferente daquele que se tornou obeso na adolescência ou na vida adulta, como é diferente se foi após um trauma, por exemplo, um abuso sexual, ou se foi atrelado ao alcoolismo ou durante a gravidez. A história vital do paciente é condição sine qua non para a modificação da estrutura do ser no mundo", afirma. PARA SABER MAIS Hipnoterapia no combate à perda de peso A revista Análise Psicológica, publicada pelo Instituto Superior de Psicologia Aplicada (Lisboa - Portugal), trouxe em sua edição de abril-julho de 2010 uma entrevista com o psicólogo e pesquisador na área da hipnose clínica e experimental, Irving Kirsch. Nela, o especialista explica o que é a hipnose clínica e quais as suas aplicações, particularmente na área da saú de, como no tratamento da obesidade. Segundo Irving, a hipnose clínica consiste numa situação em que uma pessoa, um hipnotizador ou um terapeuta, faz sugestões de mudanças específicas na experiência de um sujeito ou paciente. "Trata-se de uma ferramenta terapêutica que pode ser usada em conjunto com qualquer terapia, por exemplo, num quadro de referência cognitivo-comportamental, psicanalítico, etc. Qualquer abordagem terapêutica pode ser incrementada com a adição da hipnose", esclarece. Irving explica que a aplicação da hipnose no tratamento da obesidade é algo já bastante documentado. E que unir hipnose com tratamentos para perder peso aumenta a eficácia destes, tanto em curto quanto em longo prazo. "Sabemos que um dos principais problemas no controle do peso reside no fato de que as pessoas que perdem peso tornam a recuperá-lo rapidamente. De acordo com estudos em programas de controle do peso auxiliados pela hipnose, esta parece prevenir a recuperação do peso, podendo verificar-se a manutenção do peso desejado ao fim de dois anos", explica. Mas o psicólogo alerta para a importância de escolher adequadamente o profissional que fará a hipnose clínica. Segundo ele, em primeiro lugar deve-se procurar um terapeuta que esteja qualificado para fazer o tratamento desejado e não apenas que possua formação em hipnose. "É importante compreender que a hipnose não é uma terapia, é uma ferramenta que se usa no contexto de uma terapia. Por essa razão, não existe hipnoterapia isoladamente. Um psicólogo clínico, um médico, um enfermeiro ou outro profissional de saúde qualificado pode considerar a utilização da hipnose útil apenas para incrementar o tratamento", afirma o psicólogo na publicação. Loja Escala Assine Anuncie SAC - 55 11 3855-1000 Sites Escala .: Masculino :. Maxim .: Automotores & Cia :. Car and Driver .: Inclusão Social :. Sentidos .: Ciência e Vida :. Psique Filosofia Sociologia Leituras da História .: Conhecimento Prático :. Geografia Filosofia Literatura Língua Portuguesa .: Guia Prático :. Ensino Fundamental I Educação Infantil .: Casa & Decoração :. Casa & Construção DCasa Festa Viva Decora Baby Decorar mais por menos Construir mais por menos .: Carreira :. Carreira & Negócios .: Comportamento :. Raça Brasil .: Jurídico :. Visão Jurídica .: Conhecimento Prático :. Filosofia Geografia Língua Portuguesa Literatura .: Feminino :. 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Por isso, não é possível traçar uma linha terapêutica padrão para todos os pacientes A ideia de pensar como magro ou como gordo não procede, já que nem todos os magros comem pouco ou de modo saudável e nem todos os gordos comem em excesso e de modo não saudável Ana ressalta, entretanto, que a psicoterapia só funciona quando o desejo do paciente está presente: "não seria ético impor ao paciente a psicoterapia, pois quando imposta esta não é psicoterapia. Sem contar que seria a repetição simbólica do que, provavelmente, foram muitas vivências de 'engolir goela abaixo' que o levaram à obesidade", acredita. No entanto, saber que a psicoterapia é importante não significa fazê-la. Ana diz que a questão financeira, muitas vezes, é uma barreira à terapia. Porém, ela acredita que é a resistência a olhar para si mesmo o principal empecilho para realizar esse tratamento. "Em geral, as pessoas querem respostas mágicas para as suas dificuldades. Não compreendem que enfrentálas é a forma de se fortalecer e superálas. Muitos pacientes obesos falam da fantasia de dormir obeso e acordar magro", diz. Segundo a especialista, independentemente da abordagem, a psicoterapia é um mergulho em si mesmo, na sua história vivida e atual, além de poder levar a pessoa a olhar para o futuro. E acrescenta que oferecer respostas mágicas e miraculosas é sequestrar do indivíduo a magia da vivência psicoterápica, quando são mobilizadas forças mentais e emocionais que o asseguram a lidar com a vida, sendo que a obesidade só é uma parte dela. "Ele vai perceber que poderá abandonar a obesidade e que a vida continua com seus problemas e desafios, e ele, autônomo, livre para fazer suas escolhas, é capaz de superar novas dificuldades e assumir suas conquistas com a tranquilidade de serem suas", finaliza. Dica de filme O filme Gordos, do diretor espanhol Daniel Sánchez Arévalo, leva às telas o debate sobre o tratamento de um grupo de pessoas com problemas de obesidade, complexos, fobias, obsessões, traumas, medos, culpas, desejos, amor, sexo e saúde. A película fala não apenas da ditadura do físico, mas também da solidão e da falta de autoestima de quem sofre com a obesidade. Gravado em dez meses, um de seus protagonistas engordou 40 quilos e outro emagreceu 25. Não se trata apenas de um filme de autoajuda, mas vai além. É arte que faz pensar, é filosofia que comove, é entretenimento que incomoda. Tratar a pessoa obesa é entender a linguagem inconsciente de todo um contexto vivido ao longo da vida. A obesidade é uma expressão psicossomática do indivíduo Caso cirúrgico de sucesso Cláudia, mãe de três filhos, hoje é ex-obesa e reconhece o papel que a psicoterapia teve na melhoria da sua vida. Ela ficou obesa logo após a sua terceira gravidez e, deste então, vinha tentando diversos meios de emagrecer, porém, sem resultados satisfatórios. Foi quando chegou aos 120 kg (com apenas 1,55 m de altura) e descobriu que estava com diabetes tipo 2 que resolveu recorrer à cirurgia bariátrica. "Embora eu já estivesse acostumada a ser gorducha, foi a preocupação com a saúde que me levou a fazer a cirurgia", reconhece. Segundo ela, nessa hora, o tratamento integrado com vários especialistas - por exemplo, psicólogo, fonoaudiólogo e nutricionista - foi essencial. "Fui tão bem assistida que só fiz a cirurgia quando a psicóloga achou que eu estava pronta. Foram seis meses de acompanhamento", lembra. Hoje, um ano após a cirurgia e pesando 60 kg, ela diz que ainda faz psicoterapia com um grupo de ex-obesos. "Esse acompanhamento é essencial. Com essa assistência e uma vida regrada, com horários certos para alimentação, quantidades certas e ingerindo alimentos de qualidade, todo mundo consegue se livrar da obesidade", considera. A cirurgia foi a solução encontrada pela equipe médica para Cláudia, que se encontrava em um estado de obesidade mórbida. Entretanto, vale lembrar que a obesidade é um problema multidisciplinar e, como tal, apresenta diferentes formas de abordagem. Por essa mesma razão, não é possível traçar uma linha terapêutica padrão para todos os pacientes. Não existe uma "fórmula de bolo", mas uma equipe transdisciplinar e o paciente podem juntos encontrar a melhor opção para seu caso (veja quadro O contraponto dos tratamentos). PARA SABER MAIS O contraponto dos tratamentos A cirurgia bariátrica não é o melhor tratamento para todos os obesos. Clarissa Silbiger Ollitta, psicanalista coordenadora do Programa de Estudos e Tratamento do Obeso (Presto) da Clínica Psicológica do Instituto Sedes Sapientiae explica que, se fosse assim, não encontraríamos tantas tentativas fracassadas de emagrecimento. Para a especialista, tratar a obesidade depende do entendimento que se faz dela. "Se a obesidade for um desequilíbrio entre ingestão e queima calórica, emagrecer pode ser a alternativa. Porém, ninguém escolhe ser obeso. Se você perguntar para qualquer pessoa obesa se ela imaginava ter o corpo que tem, ela negará enfaticamente. Não se come com a intenção de ser obeso. Portanto, qualquer tratamento que aborde controle alimentar não trata efetivamente o problema", acredita. Segundo Clarissa, a obesidade é uma expressão psicossomática do indivíduo. Uma linguagem inconsciente que tem história, evolução e dramas vividos ao longo de uma vida. "Tratar uma pessoa obesa é decifrar os enigmas que ela carrega em seu corpo. É entender que o organismo e a mente são expressões integradas de um mesmo ser", diz. Nesse sentido, ela explica que programas como o Presto são importantes porque, por meio de uma equipe transdisciplinar, é realizada uma avaliação clínica pormenorizada, na qual se pesquisará o estado geral do paciente, sua adesão aos tratamentos, a adequação ao uso de medicação, entre outros fatores. Além disso, é realizado um extenso estudo do psicanalista com o paciente para recuperar o significado profundo da comida ao longo da vida do indivíduo. "A avaliação clínica pormenorizada é importante, porém é um complemento desse estudo central que costuma levar na fase inicial uma média de 15 horas de trabalho com o paciente para subsidiar a equipe na definição do encaminhamento que será repensado com o paciente", explica. A psicanalista também diz que os diversos modelos prontos de tratamento que existem não dão certo porque o paciente obeso é um paciente difícil, que frustra, que não obedece as orientações e, principalmente, sinaliza as limitações das ferramentas que cada profissional tem. Isso acaba, segundo ela, fazendo que o próprio paciente seja cobrado pelo "suposto" fracasso do tratamento. "Estamos longe de trabalharmos integrados e disponíveis para compor com diferentes conhecimentos. Então a automatização dos tratamentos acaba sendo uma zona de conforto para os profissionais que reafi rmam sua competência e transferem para o paciente a responsabilidade integral do tratamento". Para a especialista, considerar o paciente como indivíduo é suportar a tensão inerente a um percurso desconhecido, "pois cada pessoa é única, desafio fundamental para interrompermos o círculo vicioso do fracasso dos tratamentos", encerra.


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